Nunca contei esta história.
É tão marcante, tão intensa e pode ser aplicada a tantas coisas na vida que já me lembrei dela por muitas e muitas vezes. Muitos de vocês sabem que eu pratico Aikido, muitos de vocês sabem que eu vivi no Japão e que fui aluna interna no Dojo de Iwama, Ibaraki, conhecido pelo seu espírito implacável, duro e disciplinado. Esta história é verdadeira e eu jamais a esquecerei por muitos anos que viva. Todos os dias os alunos acordam ás seis horas em ponto e mesmo antes do pequeno-almoço, a primeira tarefa é limpar a frente do Aikijinja com un ancinhos de jardim feitos de bambu. Os alunos alinhavam-se sem dizerem palavra e observavam o trabalho do colega silenciosamente e faziam a sua parte em consonância com os colegas. Chegada a minha vez, apesar de ser uma das mais graduadas, ficava sempre nervosa, parecia-me demasiado dificil fazer aquelas linhas todas direitinhas. Estava tão concentrada a fazer tudo tão bem feitinho e em não estragar, que quando me afastei para ver o meu trabalho de longe, o meu coração ficou pequenino. Era irregular, fazia curvas onde não devia, os colegas olhavam para mim sem perceberem. Durante o dia sabia todos os kumitachi, todas as variações, a minha leve ansiedade fazia-me mais atenta que os outros, mas chegada a hora do ancinho, o meu terror era quase absoluto. Passaram os dias, o frio foi-se embora, veio o calor, muitos colegas foram e voltaram para os seus países e eu permanecia paciente, imóvel, sem cansaço, sem saber, sem ignorância. A idade já me tinha limado as arestas, tirado a vaidade do cinto negro, que agora começava a desbotar. As minhas mãos eram fortes, rijas de treinar armas horas a fio, mas a suavidade do ancinho continuou a atemorizar-me.
Até que um dia, as linhas na areia do Aikijinja sairam direitinhas, perfeitas.
Entendam como quiserem, apliquem na vossa vida como entenderem.
Para mim:
. Não somos todos bons nas mesmas coisas;
. Tudo dá trabalho mas se o fizermos com amor dá muito menos;
. Com paciência e preserverança chega-se a algum sítio;
. A excessiva concentração nos nossos objectivos pode acabar por gorá-los;
. Por muita experiência que tenhamos nunca devemos menosprezar as experiências dos outros.
Tenham uma boa noite.
2 comentários:
Deve ter sido uma grande experiência, essa passagem por terras tão distantes... Obrigada por partilhares a tua história.
Uma boa semana para ti*
Gostava de contar mais coisas. Vai haver tempo e disponibilidade concerteza.
Postar um comentário